sábado, 7 de setembro de 2013

Salmos dos Planetas Eureka SeveN


Terminei de ler, recentemente, a adaptação para mangá do anime Psalms of Planets Eureka SeveN("Salmos dos Planetas Eureka Seven", ou mesmo "Eureka Seven"). Ao concluir da leitura, compreendi ter em mãos um material leve, gentil, porém interessante e com uma mensagem de peso.

Eureka Seven era originalmente um anime do estúdio Bones, adaptado em seguida para mangá, sendo publicado na revista Shonen Ace (expecializada em fazer ligações para animes). Ao que parece, o mangá sintetizou o enredo do anime, tendo que ser menor para atender á demanda da revista.

Eureka Seven nos mostra uma humanidade futurista. Devido aos maus tratos ao Planeta Terra, a humanidade teve de procurar novos mundos para habitar. A procura teria sido longa e custosa, até que encontrou-se um planeta de céu avermelhado, a "Terra Prometida", onde havia perfeitas condições para a habitação da humanidade.

Entretanto, nesse planeta, havia uma estranha forma de vida, os Scab Coral, que a semelhança de fungos, habitavam a superfície do planeta. Houve problemas no relacionamento dos humanos com o Scab Coral, que, por motivos mais tarde revelados, encadearam a maior catástrofe do planeta: oSummer of Love ("Verão do Amor"). O caos gerado pelo fenômeno foi tamanho que inclusive gerou guerras e conflitos dentro da própria humanidade.

Mas Adrock Tronston, um militar e cientista, que conhecia como niguém sobre as estranhas formas de vida, consegue deter o Summer of Love, tornando-se assim o herói daquele mundo e daquela humanidade.

Dez anos depois do Summer of Love é que tem início a história de Eureka Seven. Somos apresentados á Renton Tronston, filho do já falecido Adrock, que no momento viva num ferro velho com seu avô. Renton era um verdadeiro "bom-em-nada", encontrando no refting (esporte fictício que consite em "surfar" com uma prancha nas ondas de trapar, partículas também fictícias) seu único prazer na vida.

Renton admirava o grupo rebelde conhecido como GekkoState, que consistia de militares desertores da Força U.F.,o Exército. Fugitivos e possuidores de uma nave, de alguns L.F.O. (robôs gigantes pilotáveis) e de até uma revista própria. Seu herói era Holand, o líder da facção rebelde, e também uma referência na prática de refting.

Entretanto, Renton vivia afastado de seus sonhos, das aventuras do GekkoState. Estava preso à rotina da escola em que estudava e do ferro velho. Seu avô o queria afastado do Exército, devido ao destino de seu filho Adrock. 

Foi quando, em meio a um ataque do Exército, a arma especial da GekkoState estava com problemas. Eureka, uma garota estranha e sem expressão, se dirige para o ferro velho em busca de ajuda para concertar seu L.F.O., o Nirvash. Renton, ao ver a menina, se apaixona a primeira vista e lhe presta ajuda. Ao lhe dar as instruções finais, a menina o convida a se juntar a ela a ao tão sonhado GekkoState. Renton , sofrendo de baixa auto-estima, a princípio hesita, mas em seguida convence-se e se une ao grupo de seus sonhos.

O Exército não dará trégua à GekkoState, seguindo seus passos e atacando com suas naves e seus L.F.O. Para fazer frente ao L.F.O. único e especial Nirvash e sua piloto Eureka, o Exército usará uma outra estranha garota, Anemone, para pilotar uma espécie de clone do Nirvash, o "The End of Milenium".

Eureka Seven, a primeira vista, parecerá um anime típico de Mechas. Mas não se engane, para depois não se decepcionar: a essência de Eureka Seven são os relacionamentos traçados entre os personagens, em especial Renton e Eureka. Sobre crescimento, preconceito e superação nos laços entre as pessoas. As batalhas e os Mechas ficam num plano secundário, as vezes parecendo mais como uma casca a cobrir o cerne do enredo.

A ficção científica presente é muito bem montada, a ponto de nos apresentar de fato um outro planeta, com suas particularidades próprias, e seu próprio ecossistema.

Eureka Seven é claramente influenciado pelas grandes obras do gênero Mecha. A temática escatológica e as referências bíblicas, bem como os papéis dos personagens, nos remetem a Neon Genesis Evangelion. Os dilemas do dever militar e o drama de crianças que perderam seus pais na guerra, nos lembram Mobile Suit Gundam.

Por fim, Salmos dos Planetas Eureka Seven é uma obra interessante e envolvente. Não é uma obra prima, mas uma obra de boa qualidade. Não espere, volto a dizer, por grandes batalhas, por lutas fabulosas entre Mechas. Por que aqui, o alvo, o foco, é a relação entre seres humanos, entre seus iguais como também entre aqueles que são seus diferentes. 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Nacionalidade literária

A construção de uma nacionalidade, mais do que a defesa de uma identidade fechada ou auto-suficiente, é resultante de uma complexa trama de intercâmbios, de que são exemplos as literaturas nacionais latino-americanas do século XIX. Focalizando estas últimas, podemos ver mais facilmente que toda identidade nacional é sempre uma identidade problemática, pois não se trata de um processo que possa se estabilizar em uma solução ideal, derradeira ou definitiva. De modo semelhante ao ato de andar, em que é justamente um desequilíbrio repetido que torna possível o avanço, a identidade que se busca está sempre alicerçada em uma situação que já é passado (portanto, diferente do que somos agora), tentando alcançar (ou construir) um futuro que será certamente diferente do que pretendemos fazer dele (a partir de uma visão do presente que temos de nós e que será, certamente, abandonada pelas pessoas que nos observarem a partir do futuro). Aliás, se houvesse essa estabilização em uma identidade definitiva, não teríamos nada além de uma proposição tautológica ("nós = nós") que eliminaria todo o sentido da temporariedade e, ao fazer um só de dois termos diferentes, suprimiria o sentido mais profundo do sinal = (que é justamente o de eliminar essa igualdade absoluta, estabelecendo uma cissiparidade entre o que está à esquerda e aquele que está à direita, entre o que queremos ou o que achamos que somos e aquilo que efetivamente seremos). Do mesmo modo, um país que tenta estabelecer uma rigorosa identidade interna consigo mesmo ( e os casos do nazismo e do fascismo, presentes até hoje nos campos dos Bálcãs, não deixam de nos lembrar disso), exilando ou afastando radicalmente o outro, o diferente, não percebem que estão exatamente destruindo o elemento de diferenciação que - só ele - lhes permitiria ter uma identidade. Ao optarem por esse caminho, fazem com que a equação "nós = nós" tenha seu sentido esfacelado diante de uma igualdade sem sentido, de uma unidade não mais problemática e, portanto, não mais passível de ser utilizada como moeda de trocas culturais. É justamente essa exposição ao olhar do outro que nos permite instaurar um ponto de enunciação de onde, certamente, podemos nos ver sendo vistos, o que nos dá a experiência de nossa própria singularidade, mesmo que provisoriamente, como dito acima. É o olhar dos outros que nos inaugura como mesmos; que, em suma nos faz provisoria e precariamente idênticos a nós próprios. Assim, esse instinto de nacionalidade de que fala Machado de Assis talvez possa ser entendido como a mola propulsora que constitui a fisionomia evidente, externamente visível, de uma literatura, a partir da qual nos olhamos e nos constituímos em identidade problemática. Em outras palavras, trata-se de uma das condições iniciais para que se desenvolva uma dada literatura nacional. Todavia, para que isso ocorra, é necessário ainda superar duas posições antagônicas que marcam a infância desse instinto (mas que não deixam de se manifestar, de quando em quando, como sintomas de fraqueza ou de oscilação do sistema literário). No caso do Brasil (e de outros países marcados por um passado colonial), temos, de um lado, a adesão incondicional ao modelo metropolitano, revestido de pretenso cosmopolitismo; de outro, a recusa isolacionista e xenófoba de qualquer elemento estranho, estrangeiro ou externo. Como exemplo da primeira, podemos citar o parnasianismo de um Alberto de Oliveira, poeta que surgiu para a literatura pouco depois de Machado de Assis e que entende a construção de uma literatura nacional como um processo civilizatório, em que a cultura estrangeira (no caso, européia) venha disciplinar, dinamizar e aparar as arestas da incipiente literatura do jovem país. Quanto à segunda posição, um bom exemplo, entre muitos, encontra-se nos romances de um Plínio Salgado, escritor contemporâneo da revolução modernista de 1920 e que impôs a sua obra um nacionalismo tão fervente que, não cabendo nos limites do sistema literário (pois era inseparável de um conteúdo fortemente ideológico, no caso, de direita), encontrou sua expressão natural na militância fascista e nos libelos políticos. O instinto de nacionalidade deve, em suma,  à exemplo da intuição pessoana (que, somente ela, "pode servir de bússola nos desertos da alma"), funcionar como guia nesse processo provisório e interminável, verdadeiro trabalho de Sísifo, que é o de nos dar a ver um rosto específico que já não temos, que nunca mais teremos, e que, no fundo, nunca tivemos, pois que sempre estivemos (e estaremos) expostos à diferença radical com que o outro (o estranho, o estrangeiro) nos observa. Trata-se, então, a utilizar essa pragmática fácil e tão na moda atualmente, de uma inutilidade (pois que não chega jamais à conclusão do processo) necessária (pois que nos permite fazer mover objetos culturais aos quais imprimimos nossas marcas).

Alckmar L. dos Santos (UFSC), em comentário ao artigo "Instinto de Nacionalidade"(1873), escrito por Machado de Assis.

domingo, 16 de junho de 2013

Monarquistas enrustidos

Compartilharam por aí um slogan inusitado: Marco Feliciano para Presidente do Brasil! Oh louco! Se evangélicos que deixam o Evangelho tivessem coerência, seriam monarquistas. Monarquia é a forma de governo perfeita. Para quem busca feiticeiro pra chefe de Estado. Os reis na Antiguidade Oriental eram feiticeiros, canais das energias divinas. Pastores cheios da unção como Marco Feliciano não combinam com uma faixa presidencial. É pouco pro ego...ops, pra unção. Melhor pedir de uma vez uma coroa, um cetro, e um manto púrpura. Só ia ficar difícil para imitar chimpanzé no púlpito com tais adereços, mas pra tudo se arranja um jeito.

O evangélico dominante - pós-pentecostal, para-protestante e meta-cristão - tem sérias deficiências de imaginação. Vi o império da música gospel e das ministrações anexar minha amada igreja materna, até o ponto de tornar meu congregar inviável. Vi um líder de jovens subir ao púlpito, num sábado, e soltar essa: "Tem gente que anda de ônibus, e fica lá, a toa, olhando pra as paisagens na janela: 'que prédios grandes!, 'que árvores bonitas!'. Quando podia estar em oração! Lá, intercedendo pelos seus familiares..." Já encontraste dentre esses chorões um poeta? Muito difícil  Quem priva sua mente do silêncio, da contemplação, do mero divagar, somente agindo e fazendo coisas "úteis", perde a capacidade de imaginar, de inventar, de criar.

O atrofiamento da inventividade joga a pessoa no mar do pensamento uniforme. A maré é implacável. É gente falando igual e se vestindo igual. Vocabulário pobre de palavras e de sentidos. Gestos e manias copiados e espalhados no melhor estilo viral. Sabe qual é o símbolo do Fascismo? Um feixe de gravetos. Um graveto sozinho pode ser quebrado. O feixe, não. A força da união. Uniformidade de pensamentos, de palavras e de ações. Isto é Fascismo. As ovelhas de Feliciano sabem disso? Não sabem, e é bom que continuem assim. 

Felicianianos dizem que quem está contra o seu papa está a favor dos homossexuais, e assim, contra Deus. Questionam a Laicidade, a separação entre Estado e religiões em nome da pluralidade humana. Os protestantes lutaram com muito empenho pela Laicidade, a fim de conquistar a liberdade de culto. Judeus eram bem vindos a Laicidade. A primeira sinagoga a funcionar nas Américas foi a Kahal Zur Israel, na Recife do Nordeste holandês, protestante. É verdade que os holandeses destruíram Igrejas católicas, mas o feito de abrigar judeus é notável.


Não são assim os felicianianos, que de protestantes não têm um fio de cabelo. Atacam às religiões africanas, aos católicos e a todo aquele que não for felicianiano.E aos homossexuais. Podemos até discordar de certas reivindicações, mas o Estado é para todos. Homossexuais poderem se casar no civil não é de nossa conta. E ser ignorante da violência sofrida pelos homossexuais, numa cultura ainda tão machista e retrógrada que há neste País das Variedades, é coisa de quem vive no País da Lua.


Protestantes não eram necessariamente anti-monarquistas, mas predispunham-se pela República. O governo republicano, da burguesia progressista, distante das mãos da nobreza católica, era o ideal de Genebra. É claro que o Iluminismo ainda teria muito de lapidar a res publica ainda tão bruta dos protestantes primordiais, mas Calvino e os Reformadores abriram portas decisivas para o governo do povo.


Por isso eu disse no início: evangélicos apóstatas do Evangelho, felicianianos, não têm coerência nem em seus ideais. Se fossem coerentes, seriam monarquistas. Seus ideais políticos ridículos não cabem na República e na Laicidade. Na verdade, nem em Monarquias parlamentaristas é cabível, como Inglaterra, Suécia, Japão. Os ideais felicianianos são coisa de uma boa e velha monarquia oriental. Reis-feiticeiros, adorados pelos súditos. Já está mais do que na hora de se sair do armário republicano, e se assumir de uma vez a Monarquicidade. Dá pra dar um glória a Deus aí, vossa majestade feliciana?


O Jogo dos Cinco Personagens

Esta é uma brincadeira de redes sociais, daquelas que se propagam descontroladamente. Eu dela participei a alguns anos, enquanto frequentava o Anime Spirit, rede social voltada para animês, mangás e cultura pop japonesa em geral.

Achei meus escritos daquela época no meio de minhas coisas, e decidi resgatá-los aqui.

Jogo dos Cinco Personagens

Primeiramente, escolha cinco personagens de animê/mangá ou HQ que tu aches interessantes, antes de olhares as perguntas.

1 - Motoko Kusanagi  (Ghost in the shell)
2- Wolverine (X-Men, Marvel)
3 - Neji Hyuuga (Naruto)
4- Baki Hanma (Grappler Baki)
5- Alucard (Hellsing)

1)Os números 2, 3 e 5 formaram uma banda. Como eles a chamaram?
"Double Weapon.". 

2)O número 4 fez uma  promessa estranha para o número 5. Qual foi a promessa?
Baki prometeu a Alucard que, caso lutasse com ele - a chance única de se lutar contra um vampiro - deixaria Alucard beber um terço do seu sangue.

3)O número 2 teve um caso com o número 1. Por que eles terminaram?
Wolverine terminou com a Motoko ao descobrir que de orgânico ela só tem o cérebro e a coluna...

4)O número 3 estava precisando de uma grana e acabou arranjando um emprego um tanto estranho. Que emprego foi esse?
Neji foi trabalhar de clínico forense no CSI, analisando os corpos das vítimas dos crimes com seu Byakugan!

5)O número 1 e o número 4 decidiram se vestir de Papai Noel e duende no fim do ano. Quem foi o Papai Noel e quem foi o duende e por que?
Motoko foi o Papai Noel por conseguir invadir a mente de um daqueles papais noeis de shopping center. Os motivos dela eram puramente policiais. Já Baki, decidiu acompanhá-lo(a) vestido de Duende, por julgar que visitar cada casa do mundo em uma única noite era o exercício físico de que precisava!

6)Sua recompensa por ter respondido tudo isso: Escolha um dos cinco personagens e mande-o dar uma surra em alguém. Quem seria a pessoa que iria levar a sova e como seria?
O felizardo seria Arnaldo Jabor, o pseudo-intelectual mais amado pela tucanada reaça no Brasil. Wolverine dá com o ex-cineastra enquanto troca de canal, e horroriza-se com o que escuta. Como o nosso mutante favorito estava viajando no Brasil, aproveitou e invadiu os estúdios da Globo, e chamou o Jabor na porrada. No ar mesmo.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Mini sermão

Ainda hoje ao cair da tarde
sem muito alarde é favor dizer
que vou pregar o meu sermãozinho
pelo caminho que eu percorrer.
Se alguém quiser escutar meu canto,
procure um canto pra se ajeitar,
que eu vou passar ao cair da tarde,
sem muito alarde a cantarolar.
Favor dizer que ando muito rouco
de tanto e tanto que ando a pregar,
que me preparem um microfone
e um violão pra me acompanhar.
O meu recado será pequeno,
mas bem sereno eu irei lembrar,
que ainda é tempo de esperança
e que tudo alcança quem sabe amar.
Vou explicar porque às vezes canto,
querendo ver meu irmão feliz,
porque razão acredito tanto
na juventude do meu país.
E vou gritar que por mais difícil
ou impossível acreditar
é mais difícil e impossível
viver a vida sem esperar.
Eu vou brincar com meu povo jovem
que se comove ao me ouvir falar
e nas escadas de alguma igreja
no meio deles vou me sentar.
E vou falar-lhes do Nazareno
que tão sereno ensinou a paz
e ao escutar meus irmãos mais novos
eu partirei sem olhar pra traz.
Tenho certeza de que a semente
que displicente deixar cair
vai encontrar solo pra morrer
pra depois nascer e depois florir.
E quando enfim se tornar em fruto
que eu hei de dar a quem não o tem
só vou pedir a semente dele
para eu plantar outra vez, amém.

*Padre Zezinho, discorrendo em canção sobre a arte que ele tão bem encarna, a saber: a de pregar sermão-poema.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Sobre a aptidão negativa

"Anos mais tarde, aprendi a expressão 'aptidão negativa´ e vi que era algo bem parecido com a submissão ao material, a humildade que eu tanto praticara no açougue. O poeta John Keats cunhou o termo quando quis se referir a essa qualidade do trabalhador. Ele havia ficado impressionado com o trabalho de William Shakespeare, que criara uma variedade tão grande de personagens em suas peças, nenhum dos quais parecia ser a projeção do ego do dramaturgo. Cada um deles tinha vida própria. Disse Keats: 'Um poeta não tem identidade[...]ele está sempre[...] preenchendo outro Corpo". Ele acreditava que o verdadeiro desejo criativo só podia amadurecer em quem não estivesse disposto a impor sua vontade a outra pessoa ou coisa e que, pelo contrário, 'fosse capaz de ser em meio a incertezas, mistérios, dúvidas, sem nenhum tipo de busca iráscivel de fatos ou razões'. Interessante: Shakespeare, o poeta que mais nos deu a conhecer outras pessoas, é o poeta sobre quem quase nada sabemos."

Eugene Peterson, Memórias de um Pastor, página 51.

Manifesto Evangélico

Não creio em ministrações. Creio em sermões.

Não creio em cânticos de louvor e adoração. Creio em hinários.

Não creio em ministérios - associações empresariais envolvendo editoras, gravadoras, lojas, marcas, etc. Creio em ministério, no sentido original da palavra em grego: serviço.

Não creio em "apóstolos", "ministros de louvor" e grandes conferencistas. Creio em pastores - homens da igreja, dedicados a cuidar de pessoas.

Não creio em mega-igrejas, em multidões sem rosto a espera da benção de Deus. Creio em igrejas, em comunidades de pessoas vivendo em Cristo.

Não creio em uma "geração de adoradores apaixonados por Deus que vão impactar o Brasil e o mundo". Creio, sim, nos artistas, nos poetas,  professores, nos médicos, nos operários, nos cozinheiros, nas vendedores de ferramentas, nos policiais, nos anciãos piedosos, nas crianças. E nos pastores. E em todos aqueles que, a seu modo particular, tornam o mundo um lugar um pouco melhor.

Não creio em um Jesus Cristo que, diz uma música, se eu pedir, virá, como chuva, descerá. Eu creio no Jesus Cristo que disse, ao final do Santo Evangelho de Mateus: eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Jovens nas ruas

Por Juremir Machado da Silva, em sua coluna diária no Jornal Correio do Povo, edição de hoje.

Criticavam os jovens por só quererem jogar videogames e namorar nos shopping centers. Os mais velhos e politizados recorriam a uma palavra pré-histórica para chicotear essa juventude conformista: alienação. Os jovens estão nas ruas. Enfrentaram o aumento de passagens de ônibus em Porto Alegre, Goiânia e São Paulo. Foram combatidos violentamente pelas forças progressistas da ordem. Receberam duras e contraditórias críticas: desordeiros, manipulados por partidos políticos, militantes radicalizados e irresponsáveis. Escrevo este texto depois de ter lido sobre a morte de Pierre Mauroy, o primeiro a ocupar o cargo de primeiro-ministro num governo socialista na França, em 1981, na presidência de Mitterrand. Pierre e François queriam "mudar a vida".

Os jovens brasileiros que, com alguns exageros típicos das manifestações de massa, incomodam governos municipais de esquerda, como em São Paulo, também querem mudar a vida. Mauroy desejava colocar mais azul no céu. Era um tempo em que ainda não se falava em fim da história nem em decadência das utopias. Em 1984, ele pediu demissão. O socialismo francês encolheu, o comunismo do Leste Europeu bateu as botas sem deixar saudades, o neoliberalismo teve seus dias de glória e capotou com a crise de 2008. Os jovens saíram dos centros comerciais, das redes sociais e dos games para defender um pouco mais de azul nos céus das pátrias.

Um jovem que não experimenta sair às ruas para tentar mudar o mundo, ainda que modestamente, perde um pouco do que o mundo lhe reserva como experiência existencial. Não deixa de ser divertido ver a Polícia de São Paulo, em defesa do prefeito mauricinho Fernando Haddad, poste de Lula, baixar o pau para tirar das ruas uma juventude incômoda e excessivamente politizada. Os jovens estão cansados de gente de meia idade ou idade avançada com bom senso desmedido. É em nome da sensatez que se quer tomar as terras dos índios em Mato Grosso do Sul, trocar árvores por asfalto em Porto Alegre, espancar manifestantes por toda a parte e não perturbar a paz dos torturadores do regime militar com as investigações da Comissão da Verdade. Só a insensatez dos jovens salva.

O excesso de sensatez é o mal de Alzheimer dos políticos e dos empresários preocupados exclusivamente com a saúde dos negócios. Os jovens de hoje são tão maravilhosamente insensatos que praticam a infidelidade partidária. Colocam as suas causas e convicções acima dos partidos, A fila anda. A irresponsabilidade dessa juventude é tamanha que eles exigem saber quanto lucram as empresas de ônibus que lhes prestam os maus serviços de todo dia. A inconsequência desses jovens é tanta que colocam a defesa do meio ambiente acima dos interesses do desenvolvimento econômico e não se impressionam facilmente com o argumento prêt-à-porter da criação de empregos. Querem provas, números, demonstrações, dados.

Definitivamente, essa galera das redes sociais é muito perigosa. Quer botar mais azul nos céus dos negócios. Por falta de experiência, acha que se pode mudar a vida. Por insensatez, entende que o interesse público é maior.

Uma salva de palmas para nosso cronista serial killer! Juremir Machado da Silva, franco-atirador, de francófilas idéias!

domingo, 9 de junho de 2013

O marido traído e Ganimedes do Polo Norte

Não nego. Não sou admirador da obra de Nelson Rodrigues, o Anjo Pornográfico. E não a conheço a fundo: limito-me a alguns contos lidos, e as televisivas adaptações de alguns de seus trabalhos.

Na verdade, do que eu conheço, sou detrator: o universo carioca da classe média, com seus casamentos-fachada, traições, sexo e assassinato. O Anjo Pornográfico também ficou conhecido por suas breves e certeiras frases. Algumas, caras reflexões de um culto - “Toda unanimidade é burra.”, “O adulto não existe. O homem é um menino perene.”. Outras, delírios de um reacionário - “A Europa é uma burrice aparelhada de museus”, e “O socialismo ficará como um pesadelo humorístico da História.”

Sobre o dito do adulto não existir. Este tinha uma aplicação muito particular no próprio Nelson Rodrigues.
Rodrigues, desde menino, foi versado na narrativa do sexo e da morte.

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico."

Quando tinha oito anos, então aluno do Primário, ocorreu um episódio marcante para o Anjo Pornográfico. Houve um concurso de redação em sala de aula, cujo prêmio era a leitura em voz alta pela professora do texto vencedor. O tema da redação era livre.

A professora, que tinha em Rodrigues um de seus alunos favoritos, ficou chocada com a redação do guri: uma história de adultério. Marido encontra esposa nua na cama, e um homem pulando a janela. O marido mata a mulher, mas, com remorso, ajoelha ante o corpo da esposa, pedindo perdão.

Obviamente, a redação do Anjo Pornográfico era indiscutivelmente a melhor escrita. Mas a professora declarou empate com o texto de outro aluno, e leu somente o co-vencedor mais inocente.

Da primeira vez que ouvi dessa redação precoce do Anjo Pornográfico, caí para trás. Na idade dele, eu escrevia coisas muito diferentes.

Eu devia ter quase a idade do Anjo Pornográfico, numa ocasião em que a professora pediu como atividade a escrita de uma redação. Eu ficara encantado: vou escrever minha própria história! E já pensava em planetas distantes, em heróis espadachins, em Space Opera. Mas a professora fixou um tema: o Natal de um menino órfão e pobre. Fiquei arrasado.

De início, pensei que o texto teria de ser como aquelas reportagens dos telejornais que odiava (e odeio).
Mas, minha imaginação cuidou para que eu fizesse a história que queria, tomando o menino pobre como ponto de partida.

Aulas atrás, a professora havia escrito no quarto um texto, cujo título era “Uma viajem ao Sol”. A mim, era um título grandioso para um texto chato, que narrava uma história indígena. Decidi que o meu, então, se chamaria “Uma Viajem ao Polo Norte”.

Para o nome do herói, escolhi um que eu gostava: “Ganimedes”. Ganimedes era um belo rapaz que servia vinho aos deuses do Olimpo. Sim, eu era vidrado em mitologia grega.

O nosso órfão pobre, Ganimedes – que nome para um guri de rua! – admirava, comovido, uma árvore de Natal ricamente adornada, na vitrine de uma loja. Mas, então, o sobrenatural, o fantástico, o transcendental: O reflexo do eclipse do sol no vidro da vitrine abre um portal, que engole o nosso herói. Ganimedes vai parar no Polo Norte da minha cabeça, com rios de chocolate quente e brinquedos vários e novos espalhados nos mantos de gelo. Aqui, eu bebi (chocolate quente?) do filme A Fantástica Fábrica de Chocolate, e dos episódios especiais de Natal dos desenhos animados oitentistas.

A primeira coisa que Ganimedes encontra no Polo Norte é um trem dourado, prestes a partir. O guri embarca, e assim viaja pelas terras árticas, vislumbrado e alegre – um tipo de antecipação do longa animado O Expresso Polar. Ganimedes ainda faz amizade com o maquinista do trem: o Quebra-Nozes!

Mas, se tinha Quebra-Nozes, também tinha o Rato Rei. E ele não vem sozinho: trinta e quatro ratos de um metro de noventa de altura (!) o acompanham. A horda de roedores interrompe o trajeto do trem.

Então, Ganimedes, herói que era, saca sua espada dourada, presente de seu amigo Quebra-Nozes, e com ela enfrenta os enormes ratos. A brande no ar, e dela sai uma rajada de luz, que, em minhas infantes palavras, “desintegrou” os ratos todos.  Algo de Cavaleiros do Zodíaco e de Guerreiras Mágicas de Rayearth.

Após o ato heroico, a viagem terminava, e Ganimedes encontra o Papai Noel. O bom velhinho lhe presenteava com brinquedos e o necessário para viver. Muito mais do que o prêmio para um mero “bom menino que comportou-se bem o ano todo”, pois Ganimedes era muito mais que isso: era um herói!

E assim, o meu Ganimedes do Polo Norte virou um tipo de arquétipo dos heróis de minhas histórias, que fui escrevendo e imaginando desde então. Eu pensava, quando pequeno, que que dia cruel seria quando me tornaria adulto, e teria de deixar meus brinquedos e minha imaginação.

Mas, crescendo eu, cresceram também comigo as coisas que amo. E assim, cumpriu-se em mim a frase do Anjo Pornográfico: “O adulto não existe. O homem é um menino perene.”

Mas há um imenso abismo cultural, entre Rodrigues e eu.

O abismo entre a tragédia e o épico.

O abismo entre os crimes do sexo e os heróis de capa e espada.

O abismo entre o marido traído e Ganimedes do Polo Norte.

O abismo entre o Anjo Pornográfico e o Demônio Casto.

sábado, 8 de junho de 2013

Sonhei que era Werther

Essa última noite, sonhei com o enredo de Os Sofrimentos do Jovem Werther, romance que levou Goethe a fama.

No sonho, eu era Werther. Demorei-me chorando aos pés da divina Carlota, que condoía-se de mim e me acariciava bondosamente a face. As cenas do sonho eram como a de um filme em preto e branco.

Houve, como de costume em meus sonhos, o momento psicodélico: Quando o filme preto e branco vira, por um pouco de tempo, em um jogo eletrônico semelhante ao Super Mario Bros. E depois, a viagem que fiz, como Werther, à Escandinávia, onde Werther jamais fora. Não me lembro se estava na Suécia ou na Noruega, quando achei uma edição gigantesca de "Cat´s Eye", mangá de Tsukasa Hojo, exposta numa parede do que parecia ser o sótão do Castelo Rá-Tim-Bum...Alguém aparecera, e me criticara o modelo de Estado assistencialista escandinavo, ao que eu prontamente retruquei, como admirador dos escandinavos e de Keynes que o sou, na Realidade.

Mas, depois da psicodelia, o filme em preto e branco retoma. E dá-se aquilo que sucede-se no romance: eu anuncio viajem, peço a Alberto suas pistolas emprestadas, que o bom marido de Carlota não hesita, sem saber o real motivo...talvez ele soubesse, mas o mau dia que passara lhe obscurecera a razão.

E me suicidei.

Vi meu próprio funeral, que, como no romance, não teve sacerdote algum que presidisse. No sonho, vi o porque disso: o sacerdote ministrava o culto especial de Natal.

Pobre de ti, meu caro Alberto.
Pobre de ti, minha amada Carlota.
E pobre de mim mesmo. De mim,Werther.

Uma Última Palavra Sobre a Carta de Quintana

E então, a exegese bíblica de Quintana. Desconhecendo a opinião dos teólogos, cita a passagem do Gênesis em que o patriarca Jacob luta contra um anjo. Para Quintana, Jacob é o Poeta, e o anjo, a Poesia. O poeta deve lutar com a poesia. Não há uma forma de lutar pronta: o poeta deve descobrir seus próprios meios de lutar. O final é incerto; não há garantia de vitória.

Não sei se foi proposital, mas a escolha deste trecho bíblico tem algo mais a dizer. E o que tem a dizer, bate perfeitamente com o próximo concelho de Quintana ao jovem poeta.

Na sequência do texto bíblico, o anjo pergunta ao seu adversário o seu nome. "Jacob", responde o aguerrido patriarca. E o anjo então rebate: "Não te chamarás mais Jacob, mas Israel, porque foste forte contra Deus e contra homens, e tu prevaleceste."

"Jacob", em hebraico, dá algo como enganador.  Jacob tinha a dissimulação própria de um comerciante, e com ela enganou seu velho e já cego pai Isaac, fingindo ser seu irmão gêmeo Esaú, e recebendo do pai a benção reservada ao filho primogênito.

Após a luta com o anjo, ele deixa de ser o enganador - e, por que não dizer, imitador? - para ser o homem que luta contra deuses e prevalece:"Israel".

Um artista, assim, iniciaria seus trabalhos imitando aos daqueles a quem admira, os Esaús da vida. Ora, os Beatles no início cantavam músicas de outras bandas, e Osamu Tezuka, o deus do quadrinho japonês, devorava os filmes da época para contar suas histórias. Mas, deste modo, descobriram a sua arte, e se tornaram nos grandes heróis os quais veneramos, fundadores de mundos e de culturas. Ora, não foi Jacob o pai da nação israelita?

Pois Quintana, em sua Carta, segue ideia análoga, quando aconselha ao poeta a estudar a velha métrica, que os poetas novos tendiam a não dar importância:

"(...)Da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico." 

Há uma espécie de diálogo do criador com a sua criatura: "Verás, com o tempo, que cada poema, aliás, impõe a sua forma...". Cabe ao poeta responder com os formatos mais apropriados. No âmbito da música popular - do Rock, que Quintana horrorizava - algo similar foi dito por Axl Rose, na entrevista que concedeu a revista Hit Parader: "(...)eu canto do jeito que a canção me pede para cantar".

Por fim, Quintana discorre sobre quais poetas se deve ler. Contrariando o senso comum - ou o senso acadêmico - diz Quintana: "Simplesmente os poetas que gostares".

O poeta não deve procurar entender os poetas, mas deve compreender-se a si próprio com a ajuda deles. A arte, para Quintana, é feita no indivíduo e na sua humanidade. Ele ainda relata da indiferença com que reagiu ao ler poetas famosos: "De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família."

E assim, Quintana encerra, de modo abrupto, a sua sacra epístola da arte. Seguindo o mesmo tom de conversa informal e semi-poética, termina tudo num aperto de mão:

"Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo E apareça-me daqui a uns vinte anos. Combinado?"

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Ainda sobre a Carta de Quintana

Logo de início, Quintana queixa-se de não saber escrever em prosa, e de achar a teorização sobre a poesia uma prática enfadonha. Quintana nada sabe para somente saber poetizar. Nada mais ele é, do que um poeta.

O poeta, segundo Quintana, não deve escrever mirando o público da posteridade. Um poeta nem aos de seu tempo teria algo a dizer. O poeta está limitado ao seu Eu. Quintana distingue o Eu da pessoa individualizada:

 "Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano."

De algum modo, o poeta encontraria, dentro de si mesmo, a humanidade, que também é comum a todos. Em contraste ao profeta, que brada às multidões, com voz de trovão: "Eu vos trago a verdade", o poeta, timidamente, sussurra a cada pessoa: "Eu te trago a minha verdade". E assim, quanto mais individual for o poeta, mais universal será; pois, mergulhando nas profundas águas da humanidade, todos os homens - que só sabem amar ao humano - o lerão com deleite.

Mas a arca do tesouro está por vir. Quintana, antes de revelar sua mensagem esotérica, inicia devidamente o poeta com esta frase:

"A poesia é fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta pra te dizer como é que eles fazem. Só posso te dizer o que eu faço."

Quintana aponta para o lampejo, como gênese da poesia. Uma palavra, uma frase, uma imagem, "nas ocasiões mais insólitas". Ao canto da musa, outros elementos surgem, reagindo a ele: a "associação de imagens", para Quintana a maior conquista da poesia moderna.

A seguir, a materialização das atividades mentais: "vai tudo para o papel." Há um período de tempo que o poeta deve respeitar entre a escrita e o polimento do poema, período esse o suficiente para se esquecer dos versos criados. Quintana parece ver aí, no esquecimento, a benção da imparcialidade.

No polimento, "trabalho de corte", o poeta retira toda afetação e lógica do poema. O poema deve ser reduzido a sua essência, que é o poema propriamente dito. A estética pretendida por Quintana é a do cavalo, que, " por não ter nada demais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação."
(continua...)

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Sobre a Carta de Mario Quintana a um poeta

A composição do Cânon bíblico é assunto mais ou menos recorrente, nesse mundo pós-moderno onde teorias da conspiração brotam com xuxos nas cercas. Basta a leitura descompromissada de um romance dito revolucionário, dito histórico, dito filosófico, e lá saem ao mundo mil doutores do assunto, formados em plena leitura. "O Cânon foi manipulado pela Igreja", "Os evangelhos gnósticos são os verdadeiros", "Os primeiros cristãos eram gnósticos", e mais alguns colóquios infindáveis.

Apiedo-me do bom Leonardo Da Vinci - para mim, o segundo maior homem depois de Cristo. Certamente Da Vinci tinha seus enigmas, seus códigos. Mas tais foram profanados pela sempre sacrílega e nunca sincera exposição midiática. Eu sei: já faz uma década desde que Dan Brown revelou ao mundo a obra que o afamou. Mas não podia deixar-me de lembrar disso, dado o assunto deste pequeno ensaio.

Eu tenho um candidato melhor para integrar o cânon bíblico: a "Carta" de Mario Quintana, o Poeta das Coisas Simples, endereçada a um poeta anônimo.

Minha sugestão não é por motivos doutrinários; é por motivos poéticos. Nada tem a ver com os Manuscritos do Mar Morto, ou com os Manuscritos de Nag Hammadi - os quais Dan Brown alegremente mistura - tem a ver, sim, com algo místico presente naquela Carta, somente semelhante a sacralidade dos textos bíblicos. A essa propriedade mística, poderíamos dar vários nomes. Eu aprecio "Palavra de Deus".

A Carta de Quintana é, para mim, o mais bem feito e sucinto tratado a respeito da criação poética, e por extensão, da criação artística em geral.

Na Carta, Quintana não deixa devendo a um Apóstolo:  reconhece-se homem falível ante a Divindade, recita o Mistério com temerosa devoção, usa imagens bíblicas e a elas interpreta.  (continua...)

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Prólogo

Saveríada é palavra inventada em meus delírios, é neologismo de minha criação. Saverios é o mais próximo que consegui de helenizar meu basco e amado sobrenome Xavier. Então, uni o termo com o eidos do grego, para conseguir algo como um nome de épico, uma Ilíada, uma Eneida, Lusíada...e saiu a Saveríada.

A Saveríada, assim, será a narrativa das aventuras de Felipe Xavier, herói não tanto nobre quanto atrevido, por entre os reinos e vastos mares da Literatura. Sua espada ele sacará, e encarará os dragões caóticos, os ogros, os vilões e os galãs de novela das oito.

Essa é a narração do pretenso herói de uma nação nova, erguida a ferro e fogo pelas mãos de escravos e trabalhadores. Uma nação que é na verdade várias nações, com várias culturas, com várias línguas. Será ele o herói do Brasil? Dos Brasis? Ou de um dos Brasis?

Só saberemos acompanhando a Xavier em sua jornada, que desde já tem início.

Como todo herói que se preze, talvez Xavier funde uma civilização. Talvez erga ele Novo Reino, e tanto o sublime. Talvez faça calar Alexandre e Trajano pela fama de suas vitórias. Ou talvez nada disso ele faça, e a Saveríada se torne o canto humorístico do bobo da corte, ao som do qual todos respondam com gargalhadas.

Se acaso achas tu, ó leitor, tudo isso muito enfadonho, aconselha-te a Musa: Leia, pegue o que quiser, e parta tu também, para tua própria aventura bibliográfica. A Saveríada te dará os caminhos e as armas, e tu assim farás teu próprio épico. Que nome darias: “Joaniada”? “Pedríada”? “Maríada”? Quando montares o nome, conte-me.

“Invocação às Musas...”

Outra razão...

(...)Outra razão, de ordem técnica, explica a dureza e a crueldade de que Dante foi acusado. A noção panteísta de um Deus que também é o universo, de um Deus que é cada uma de suas criaturas e o destino dessas criaturas, talvez seja uma heresia e um erro se aplicada à realidade, mas é indiscutível em relação ao poeta e a sua obra. O poeta é cada um dos homens de seu mundo fictício, é cada alento e cada pormenor. Uma de suas tarefas, não a mais fácil, é ocultar ou dissimular essa onipresença.(...)"  -  Jorge Luis Borges, no Prólogo de seus "Nove Ensaios Dantescos".